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Comentários sobre dramatização dos rituais


Kleber Siqueira, M.I.

2007


Os comentários que apresento nesse pequeno artigo, sobre a questão da dramatização dos rituais como um dos fatores preponderantes para estimular a motivação, aumentar significativamente a capacidade de retenção, assegurar a unidade e a qualidade da membresia, desde os seus passos iniciais na Ordem, decorrem da oportunidade que tive de frequentar as Lojas do distrito maçônico da Grande Loja Unida da Inglaterra (GLUI) sediadas na cidade de São Paulo.


Para mim foi uma surpresa bastante impactante quando pude observar as práticas ritualísticas típicas do sistema inglês ou, tradicionalmente conhecido como The Craft. A minha experiência retrata ainda um conhecimento em fase de expansão e, portanto, bastante limitado.


Interessante observar que a experiência com as Lojas inglesas definiu a minha opção em solicitar afiliação definitiva na Aug. Resp. Loja Simbólica Luz de Luxor, No. 531, sob a égide da Grande Loja do Estado de São Paulo (GLESP), que foi uma das Lojas pioneiras na adoção do ritual de emulação após o tratado de reconhecimento mútuo com a GLUI ter sido celebrado ao final do século 20 e alvorecer do novo milênio. Poucos anos após, a pedido do então Sereníssimo Grão Mestre Pedro Ricardo Gagliardi, irmão com quem tive o prazer e a honra de conviver durante um significativo período da minha experiência maçônica. A pedido dele, participei como um dos cofundadores da Aug. Resp. Loja Simbólica Universitária Urbi et Orbi, No. 657, onde também observei com maior detalhe as dificuldades práticas de se introduzir um ritual novo, pois a grande maioria das Lojas operam observando o ambiente das práticas ritualísticas segundo a cultura no Rito Escocês Antigo e Aceito.


Passemos, sem mais delongas, aos comentários sobre alguns aspectos e questões que selecionei para compartilhar nesse artigo:

  1. Será que a prática da dramatização dos rituais não é a mesma da fábula dos cinco cegos e a descrição do que seria o elefante? Ou seja, não seria apenas uma prática de algumas lojas inglesas e que não cabe uma generalização?

    1. Ao que tudo indica não se trata de uma prática isolada. Pelas visitas que efetuei em Lojas inglesas e americanas, tanto no Brasil, como nos EUA e no Canadá, a prática de se desenvolver de cor o ritual é comum observada pelas Lojas. Ou seja, trata-se de um modus operandi arraigado por anos e anos a fio.

    2. As notícias que recebo de alguns irmãos e que observo de fóruns maçônicos (ingleses e americanos) que participo na Internet confirmam que a referida prática é realmente generalizada no mundo anglo-saxônico. Claro que existem variações de capacidades entre as Lojas o que é natural pois depende de pessoas, de épocas e de circunstâncias. Entretanto um mínimo de qualidade é exigido pois a própria visitação maçônica assim o exige, isto é, ficará muito visível para o Distrito Maçônico se tal capacidade estiver muito aquém do mínimo indispensável.

    3. Talvez que a cegueira da parábola mencionada no início dos comentários se aplica de modo amplo e irrestrito às Lojas brasileiras, sejam elas do REAA ou do Emulação, onde a falta de uma cultura de dramaturgia leva as práticas maçônicas a uma situação de quase penúria. Como resultado (talvez o mais nefasto) tal condição torna as referidas Lojas extremamente tediosas e desestimulantes para os seus membros, especialmente aqueles cuja vontade primária é sorver bons ensinamentos.

      1. Prova desta situação é o crescimento lento da membresia nas organizações maçônicas brasileiras (que no caso da GLESP, por exemplo, historicamente é de apenas cerca de aproximadamente 3% ao ano), a meu ver, por falta de uma adequada capacidade de retenção e motivação no período inicial pós iniciação.

      2. Essa condição contribui, em geral, como um fator limitativo na sedimentação e integração dos novos maçons e mantém as Lojas em permanente estado de instabilidade política, organizacional e social (no sentido que o entrosamento da membresia é lento e pouco consistente).

  2. De fato, não estou plenamente convencido de que a dramatização dos rituais, talvez seja uma excepcional, senão a mais importante metodologia, para que um grupo de maçons se mantenha unido, motivado e em permanente esforço para transmitir os ensinamentos maçônicos para os novos maçons que vão sendo iniciados pelas Lojas.

    1. Trata-se, a meu ver, de uma metodologia poderosa que possibilita que se obtenha importantes benefícios, tais como:

    2. Entusiasmo pelo estudo e prática do ritual, como fator de desafio pessoal em busca da excelência. Imagine, um recém iniciado, ser capaz de realizar algo que todos os que já estão na Loja fazem?

    3. Tal prática possibilita de modo sutil e permanente um “filtro fino” e de alta confiabilidade, que atua para eliminar aqueles iniciados que não se adaptam ou não aceitam a idéia de investir tempo em estudar e se aprofundar nos estudos dos rituais, ao mesmo tempo em que atua como “força motriz” (drive) para estimular o iniciado a progredir e, deste modo, gerar prazer no estudo e no aperfeiçoamento do seu conhecimento maçônico.

  3. Parece contraditório que uma metodologia dramaturgica utilizada no mundo do teatro e da encenação possa ter sido escolhida pelos idealizadores da maçonaria como processo de transmissão das nossas doutrinas.

    1. As práticas maçônicas são comparáveis ao esforço de auto superação que uma companhia de teatro deve exigir dos seus integrantes (atores, estilistas, músicos, etc) para que consigam sensibilizar e conquistar a emoção do público a cada apresentação e manter a peça em cartaz ao longo de anos a fio.

    2. Para se atingir tal meta, o esforço e concentração por parte de todos os integrantes da companhia neste objetivo comum é que irá garantir o sucesso desejado.

    3. Não se poderá admitir em cena alguém que não conheça o roteiro integral e a sua exata parte no script.

    4. Como os atores ocupam todos os papéis, em regime rotativo ao longo do tempo, todos acabarão treinados e capazes de realizar qualquer função que o script exija.

    5. Na dramaturgia maçônica (isto é, a ritualística dos graus e as suas preleções) o público (mais especificamente, os iniciados) é imediatamente integrado ao corpo teatral e passa por um sutil processo de metamorfose que gradualmente o conduz a almejar passar de público a ator!

    6. Com o passar dos anos, o aperfeiçoamento deste elenco é inevitável e o sabor das reuniões onde esta proficiência possa ser colocada em prática e transferida para os mais novos torna a realimentar positivamente os “atores maçônicos” e as suas apresentações tornam-se cada vez mais sofisticadas, com alta dramaturgia e mais que isso, passam a viver os papéis e assimilar os ensinamentos neles contidos. É como estudar a Bíblia em detalhes e constantemente, ao cabo de um tempo, absorvemos ensinamentos e somos capazes de citar longos trechos e referencias (por exemplo, aprendi na minha infância e até hoje posso declamar, por exemplo, os Salmos 23, o 51, o 127, bem como trechos dos Evangelhos e das Cartas Paulinas, além de importantes passagens do Velho Testamento) Interessante que com o passar do tempo e na medida que você entende plenamente o conteúdo das citações elas vão ganhando dimensão e sentido, tornando-se cada vez menos mecânicas e mais expressivas, em contraste com os tempos iniciais.

    7. Então com relação a este aspecto metodológico das Lojas inglesas (os rituais dramatizados), penso que as Lojas brasileiras estão, em sua grande maioria, em grande desvantagem, pois os maçons antigos (quando ainda estão nas Lojas, pois a evasão e rotatividade é generalizada) sabem muito pouco e nada tem para inspirar ou ensinar aos novos iniciados.

    8. Ou seja, a falta desta prática provoca um efeito exatamente contrário! Tal condição gera sentimentos de frustração nos neófitos e de autodefesa nos antigos (somos eternos aprendizes..., não há tempo para estudar o ritual e muito menos para ensaios..., o que mais importa é o “copo d’água” ..., etc). Este caos acaba por provocar cisões, desligamentos ou simplesmente abandono.

    9. De outro lado, esta lacuna metodológica torna vulnerável a solidez doutrinaria da nossa maçonaria brasileira, pois abre espaço para todos os tipos de derivações (proselitismo religioso, esoterismo mágico, astrologia, ocultismo, política, rede de negócios e de interesses comerciais etc.) enfraquecendo e até mesmo anulando os laços de unidade doutrinaria que deveriam unir os membros do clã ou do clube maçônico.

  4. A prática da transmissão oral dos ensinamentos (doutrinação) e da ritualística, entre outros, tinham importância quando a população não tinha acesso a trabalhos escritos e mesmo dificuldades na leitura. No mundo moderno, com a imprensa e a Internet podemos aprender sozinhos e não há necessidade de uma prática presencial e dramatizada para a transmissão dos ensinamentos.

    1. O vocábulo grego Théatron estabelece o lugar físico do espectador, "lugar aonde se vai para ver". Entretanto o teatro também é o lugar onde acontece o drama frente a audiência, complemento real e imaginário que acontece no local de representação. Ele surgiu na Grécia Antiga, no século IV a. C.a. Toda reflexão que tenha o drama como objeto precisa se apoiar numa tríade, quem vê, o que se vê e o imaginado. O teatro é um fenômeno que existe nos espaços do presente e do imaginário e nos tempos individuais e coletivos que se formam neste espaço.

    2. O teatro é uma arte em que um ator, ou conjunto de atores, interpreta uma história ou atividades, com auxílio de dramaturgos, diretores, técnicos, que têm como objetivo apresentar uma situação e despertar sentimentos na audiência.

    3. Como se pode depreender, com a dramaturgia maçônica não se pode pensar diferente sob a pena de produzir um resultado pífio se não contrário aos objetivos dos seus idealizadores. É como encenar William Shakespeare com uma companhia de atores trêfegos diretores incultos e sem sensibilidade artística, técnicos que nada entendem dos cenários e músicos que nada sabem de musica.

    4. Qual seria o efeito de um ator encenar Hamlet lendo o script sem expresividade, não sabendo a sua dinâmica de palco e mal balbuciando os textos... ?!

  5. Penso que mais vale o ensinamento decorrente da leitura, pesquisas nas bibliotecas e na internet, tudo com o acompanhamento de um mentor designado (se disponivel) ou de um padrinho, para proporcionar uma boa e profunda reflexão das mensagens das instruções, do que perder tempo em decorar textos que serão compreendidos pela sua leitura e não pela sua apresentação ao vivo.

    1. De fato, o estudo em geral e a leitura em particular nunca será substituída por aprendizado apenas oral. É comum um estudioso investir horas e horas em pesquisas, seja em bibliotecas, seja na Internet, seja em viagens etc.

    2. Assim também deve ser o maçom: proficiente em Loja, estudioso em casa, mestre para os mais jovens, companheiro para os seus pares e discípulo dos mais experientes.

    3. Este é um círculo virtuoso que devemos incentivar a todos os nossos irmãos a percorrerem, sem vaidades e objetivos de curto alcance. Devemos evitar a síndrome de Saul (conforme descrito na Bíblia, em 1o. Samuel) pois podemos ficar aprisionados em sentimentos que levam a destruição.

  6. Levando-se em conta que o ser humano atualmente recebe uma avalanche de informações em todos os campos, diferentemente dos nossos irmãos ingleses e americanos de outras eras, não se necessita priorizar a reprodução permanente de textos com 300 anos de existência.

    1. As muitas faces da cultura humana estão em grande transformação com a tecnologia atual, especialmente com o advento da Internet (que é um invento com enorme alcance no campo da comunicação) e outras maravilhas da tecnologia moderna incluindo o cinema com auxílio de computação gráfica, como por exemplo os canais Discovery e History que até há pouco tempo eram impossíveis de viabilidade.

    2. Atualmente podemos comparar sociedades distantes geografica e culturalmente, expandir as fronteiras de relacionamento e adquirir conhecimento a custos cada vez mais acessíveis a milhares e a milhares de pessoas que, sem tais recursos, jamais teriam a chance de adquirir tal volume de informação e conhecimento.

    3. Em minha opinião estamos vivendo uma era de real avanço das sociedades. Mesmo assim, muitas lágrimas e muito sangue continuarão a manchar a raça humana. Este estado de permanente devassidão moral e pecaminosidade é descrito na Bíblia Sagrada e somente será corrigido com o advento do Príncipe da Paz, nosso Senhor Jesus Cristo

  7. Em inúmeras e incontáveis atividades pode-se observar um professor que transmite o seu conhecimento por meio oral, sem uma estruturaçao formal. Dessa forma, também os mestres de uma oficina maçônica poderiam transmitir as nossas doutrinas de modo informal, evitando o esforço exigido pelo sistema de dramatização dos rituais.

    1. Como já ponderado acima, os diversos recursos para se ministrar um determinado tema não são excludentes entre si. Ao contrário, se complementam. Entretanto, uma aula ou uma palestra ou uma conferência onde a proficiência predomine tem uma capacidade inigualável de conquistar a platéia.

    2. Tem sido esta a minha experiência pessoal como professor: muita preparação, máximo domínio do tema. Respeito ao tempo disponível, interatividade com os alunos, capacidade de expressão oral e corporal, tudo isso visando a qualidade final buscado: uma comunicação eficaz do tema em questão.

    3. No ano passado, quando da reunião de avaliação do corpo docente do curso de pós-graduação do qual sou um dos professores especialistas a surpresa foi a avaliação negativa que a maioria dos professores obteve por parte dos alunos (culminando com a demissão de dois professores) e a necessidade urgente de uma profunda reciclagem dos professores quanto a pontos básicos, tais como aumentar a capacidade de verbalização em aula e atualização da metodologia expositiva do material didático (conteúdo e forma de apresentação).

    4. Na maçonaria a padronização do ensino já está plenamente estabilizada e devidamente testada, os recursos didáticos são imensamente maiores pois a transmissão do conhecimento é ministrado presencialmente, de forma coletiva, com um script extremamente estável (o nosso ritual de emulação mantém-se inalterado desde 1823) e interagindo diretamente com o aluno (o iniciado). Não há necessidade de inventar a roda!

    5. O ritual de emulação ou inglês é, a meu ver, um importante e maravilhoso fragmento da sabedoria humana (essencialmente extraído da Bíblia) que precisa ser tratado com a devida dimensão e perspectiva, ou seja, ser apresentado com excelencia pelos seus praticantes. Este conceito aplica-se, por analogia aos demais ritos.

Finalizando, podemos dizer que na perspectiva da transformação e melhoria contínua do homem livre e de bons costumes, visando alcançar um patamar adicional como ser humano transformado pela cuidadosa, fina e sofisticada lapidação a que é submetido ao longo da sua experiência maçônica.


Lembremos que a ritualística é o processo que equipa a os integrantes da oficina maçônica de modo a proporcionar aos seus mestres as condições adequadas para que, devidamente capacitados, trabalhem na lapidação da mais valiosa jóia disponível no Universo: o Ser Humano, a obra prima do Grande Arquiteto do Universo.

 

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